domingo, 5 de abril de 2015


A base do partido está cada vez mais viva, e precisamos exaltar isso, pois é isso que fortalece e consolida nossa vitória ainda ocasional. A melhor forma de fazê-lo é aliar teoria e prática, discurso e ação, o que se fala e o que se faz.

Por: Vinicius Almeida, da Coordenação Nacional da Insurgência (Tendência interna do PsoL)






Não, nossa vitória não foi por acidente. Após a surpreendente renúncia da pré-candidatura presidencial feita por Randolfe Rodrigues, cabe à militância do PSOL refletir um pouco sobre sua breve trajetória. O partido, que tem sua vida marcada por descrenças do restante da esquerda não pode mais deparar-se com boas notícias e se sentir estranho a elas.

O certo “complexo de vira-lata” do partido vem desde 2004, quando foi fundado. Seu nascimento foi marcado por uma ruptura de lideranças parlamentares do Partido dos Trabalhadores, partido este que, ao contrário do PSOL, é liderado no seu início por dirigentes operários, num período de intensas mobilizações de massas contra a ditadura militar e a alta exploração dxs trabalhadorxs. Foi um partido operário clássico, que trouxe aos oprimidos um instrumento de luta política inédito no país. O PT, no entanto, tinha uma limitação estratégica e não conseguiu definir-se até o final da década de 1980. Com a convergência da ascensão do partido ao poder institucional em algumas capitais, num momento de ofensiva do capitalismo no mundo intitulada Neoliberalismo, passou a pautar sua política longe do ideal do socialismo revolucionário.

O PSOL surge com o intuito de superar a condição petista não revolucionária, de adaptação ao Estado, regime e a política burguesa. Nada pior para quem quer isso do que ser um partido orientado em seus primeiros anos (e ainda em grande medida atualmente) por parlamentares. O novo partido nunca resumiu, contudo, sua atuação e composição às lideranças institucionais. Diante de uma conjuntura de enorme submissão dos movimentos sociais, especialmente o movimento sindical ao governismo lulista, alguns milhares de lutadores apoiaram a proposta psolista.

Na primeira fase do partido, de 2004 a 2007, pouca definição havia de sua direção politica, com uma orientação geral resumida a uma “alternativa ao governismo”, ou oposição de esquerda ao petismo.O escândalo do mensalão e o endurecimento da direção petista na defesa de todas as medidas de seu governo levaram a novas rupturas do partido, ainda com forte característica parlamentar. Chico Alencar, Ivan Valente e João Alfredo foram alguns destes novos personagens. Depois das eleições de 2006, a primeira campanha presidencial com a participação do PSOL, o desempenho eleitoral de quase 7% da candidatura de Heloísa Helena foi considerado fraco, especialmente por não sustentar sequer a manutenção da bancada parlamentar federal do partido, caindo de sete para três deputados.

Em 2007, foi formada uma coalização interna de tendências, que apontavam para uma “atuação mais ampla e menos sectária” do PSOL na conjuntura. Isto era uma direção clara para ampliação de alianças eleitorais, e um desdém a uma proposta partidária que passava pela classe trabalhadora organizada na luta.

As eleições de 2008 presenciaram alianças com diversos partidos de direita, em diversos municípios, com destaque à aliança do PSOL de Porto Alegre com o PV, e a aceitação de doação financeira da multinacional Gerdau. A fragmentação da atuação do partido nos movimentos sociais, como nas divergências com relação à política sindical e as brigas estudantis no Congresso da UNE do ano seguinte combinava bem com o tom acinzentado da direção dividida e em pé de guerra que o PSOL tinha naquele período.


De Marina a Plínio


Em 2009, no II Congresso do PSOL, uma aliança improvável entre APS, Enlace e CSOL promoveu uma nova maioria, calcada na democratização do funcionamento partidário e uma política mais referenciada nos movimentos sociais. Em resistência a esta nova direção, Heloísa Helena decidiu não concorrer ao pleito presidencial, para concorrer novamente ao Senado.

Como resposta à desistência de Heloísa, a direção política do partido majoritariamente apostou em trazer a recém-dissidente do PT, Marina Silva, para ser representante do partido no pleito presidencial de 2010. Quando a mesma decidiu-se pelo PV, buscou o apoio do PSOL. Após meses de negociações confusas, os psolistas interrompem as negociações com o PV pela opção do mesmo em lançar naquele ano Fernando Gabeira como candidato ao Governo do estado do RJ aliado ao PSDB. Até para nossa eleitoreira direção isto foi demais.

E foi demais não só porque nossos “caciques” recusavam-se a se aliar com o PSDB (mesmo de forma indireta), mas sim porque o PSOL nunca se resumiu aos seus quadros públicos e burocratas internos. Nunca foi só com votos por fama que permitiu a reeleição de parlamentares, mas sim com o suor dos militantes panfletando nas ruas, sem “receber um real”. Além disso, a presença nas lutas do povo rendeu renovações de quadros políticos, militantes, ativistas, simpatizantes, e a boa imagem do partido frente aos que lutavam contra as capitulações petistas e a opressão, agora mais desenfreada, do capital no país. Enquanto a direção do MST virava as costas para sua base, estávamos solidários a ela. Enquanto a CUT negociava acordos espúrios com o Ministério do Trabalho, era o PSOL que mantinha a defesa dos direitos dxs trabalhadorxs. Mesmo o mais pragmático dos “capas” não poderia desprezar a opinião de tantos, embora quisessem muito.

Logo após o fim das negociações com Marina e PV, uma guerra aberta se iniciou no partido pela indicação do candidato à presidência da República. Martiniano, Plínio e Babá foram os pré-candidatos indicados para a disputa interna. Plínio conseguiu o apoio das três correntes da nova maioria, além de apoios importantes como Marcelo Freixo, Chico Alencar e Milton Temer. Martiniano tinha o apoio de MES/MTL, Heloísa Helena, Luciana Genro e Janira Rocha. O período histórico seguinte é marcado pela realização da conferência eleitoral apenas com os apoiadores de Plínio e Babá (este que, naquela altura, já havia decidido retirar seu nome a favor do primeiro), e foi um dos momentos de maior divisão do PSOL desde sua fundação. Sem a militância de base jamais Plínio seria indicado candidato pelo PSOL para 2010. O peso dos “generais” equilibrava com dos seus “soldados” mais uma vez.

A campanha de Plínio foi bastante prejudicada pela divisão interna do partido. Sua votação foi muito inferior à de Heloísa em 2006. Mas o resultado eleitoral desta eleição manteve o número de deputados federais e senadores eleitos em 2006. Fora isso, a proposta programática de Plínio foi radical como nunca o PSOL tinha sido numa eleição, desde sua fundação. A clara defesa do socialismo, da construção das lutas, da aliança com os movimentos sociais, do combate à classe dominante, na fuga do discurso fácil anticorrupção e no abraço à agenda libertária marcaram a campanha que rendeu uma renovação política, especialmente na juventude, inédita no partido até então.

O sucesso político de Plínio e sua candidatura radical foram contrastados com a eleição do senador Randolfe Rodrigues, apoiado pelo PTB, no Amapá. O velho Plínio encantava a juventude, enquanto o jovem Randolfe agradava o suprassumo do conservadorismo politico brasileiro. Plínio e Randolfe eram, sem planejar, as faces de dois projetos partidários do PSOL.


Da primavera dos povos à primavera carioca


No início do século XXI, a proposta de governos latino-americanos progressistas pautava a esquerda numa defensiva, que admitia a gestão de Estados burgueses como principal tática de resistência ao Imperialismo. Em 2009, 2010 e 2011, a referência internacional de lutas rendeu novos exemplos de enfrentamento ao poder capitalista, e influenciou também o PSOL a mudar seu plano de atuação nacional.

Desde 2009, o mundo passou por uma forte crise mundial, iniciada por quebra da Bolsa de valores norte-americana, mas que culminou numa falência econômica de praticamente todos os países ricos do capitalismo, especialmente os europeus. A crise econômica combinou-se com outras crises dentro do capitalismo, já presentes. A crise ecológica se acentuou, fruto da cada vez maior escassez de recursos naturais, desgaste da exploração desenfreada de nossa forma de produzir da natureza. A crise alimentícia, definida pelo aumento dos preços dos alimentos e a incapacidade de abastecimento democrático, muito decorrente da crise ecológica, somaram-se também à crise econômica, para citar alguns exemplos.

A convergência das crises ou a crise civilizatória evoluiu nos anos seguintes para a crise de Estados. Uma crise política gerou revoltas por todo o mundo, com relação direta ou não com a crise econômica de Wall Street. O movimento mais disseminado foi o Occupy, acampamentos nas principais capitais do mundo, lutando por pautas diversas e dispersas, mas manifestando intensa solidariedade dos povos por suas respectivas lutas. O mundo árabe viveu a sua primavera dos povos, derrubando governos conservadores. Os indignados na Espanha, Grécia, Itália e outros países europeus diziam não ao pacote de austeridade e às mentiras dos governos, enquanto a juventude chilena dizia não à privatização da educação e dos serviços essenciais para o povo.

Duas correntes internas do PSOL tiveram rachas significativos durante a crise mundial: o MES e o Enlace. Nos dois casos, a relação com a organização IV Internacional (e sua avaliação sobre a conjuntura mundial) foi tema de polarização entre os setores dissidentes. O resultado destas cisões foi a formação de um novo campo majoritário no partido, formado pela APS, o MTL e os rachas minoritários de Enlace e MES, que elegeu Ivan Valente presidente do partido, no final de 2011.

Até então, tanto Enlace quanto MES (este último desde 2010, durante as eleições presidenciais) sustentavam a maioria da APS, sua extrema conivência com Randolfe Rodrigues e suas alianças eleitorais com partidos burgueses. Por mais derrotados que suas maiorias restantes estivessem por APS e suas minorias, o deslocamento militante do partido para uma proposta mais militante e radical persistia.

Em 2011 foi aprovada pela maioria do PSOL-RJ uma aliança de nossa candidatura a prefeito em 2012 com o PV. A então pré-candidatura de Marcelo Freixo, referenciada em seu mandato parlamentar estadual com forte relação com movimentos sociais e bastante identificada com uma proposta de partido militante, entrou em forte contradição com a aliança aprovada pela direção partidária. Um movimento de repúdio à aliança ao PV em redes sociais, diretórios locais, manifestos de correntes internas e pela militância em geral ocasionou a própria desistência do PV no acordo com o PSOL, o taxando de “muito radical”. Este seria o fim de um “inverno” carioca e o início de sua primavera.

O desempenho eleitoral impressionante de Marcelo Freixo como candidato a prefeito do Rio de Janeiro, chegando a 914 mil votos (28% dos votos), contribuiu para a eleição de quatro vereadores na cidade, duplicando a bancada do partido. Porém, a vitória política não se resumiu ao crescimento institucional, mas levou à completa reconfiguração do partido na cidade (e no estado, a partir de outras experiências, como em Niterói). Antes de 2012, o PSOL RJ era marcado pelo comando de Janira Rocha, que até então conduzia o partido negando qualquer participação real da militância, com congressos marcados por “boiadas”, filiações em massa sem qualquer critério e verticalização extrema das decisões partidárias. Era um diretório estadual que podíamos qualificar como um dos mais importantes representantes do velho PSOL; eleitoreiro, burocrático, caciquista e conservador.

Na campanha de Freixo, a militância psolista tomou conta das ruas e construiu uma proposta de disputa eleitoral marcada pela horizontalidade de sua organização. Fruto de um trabalho político feito por anos na cidade junto aos movimentos sociais, o partido formou diversos comitês de bairro na cidade, de Bangu à Ilha do Governador, passando pela Tijuca, Largo do Machado e Centro. A chamada “primavera carioca” foi a marcha dos “Jovens com Freixo”, o grande comício da Lapa e a afirmação de que “nada deve parecer impossível de mudar”. O excelente desempenho eleitoral do partido foi um sucesso dividido com sua nova face no Rio de Janeiro: jovem, militante e radical.


Uma legenda, dois partidos


A experiência da Primavera Carioca foi inspiração em campanhas pelo estado, como em Niterói e Itaocara. Niterói conquistou 18% dos votos com a candidatura “debutante” de Flávio Serafini, elegendo três vereadores, campanha também marcada pela militância de rua, pelos jovens e pela democracia interna. Em Itaocara, foi eleito o primeiro prefeito do PSOL no país, Gelsimar Gonzaga, um trabalhador e dirigente sindical da base. Em 2013, houve também a formação de um Diretório Municipal no PSOL Rio de Janeiro, fato inédito desde a fundação do partido, impulsionado pelos núcleos de base e o fórum internúcleos, que fortaleceu uma concepção democrática de partido.

Em 2012, o PSOL também elegeu Clécio Luís, em Macapá. O nome construído por Randolfe Rodrigues ascendeu para a prefeitura de sua cidade na Coligação Unidade Popular, que incluía os partidos PCB, PRTB, PMN, PTC, PV e PPS. Para piorar, no segundo turno, a coligação nada socialista recebeu os apoios ainda do DEM, PSDB e PTB, partidos que são oposição de direita aos governos petistas (os dois primeiros) e o partido pivô do escândalo do mensalão (o último).

A campanha de Macapá, portanto, configurou-se como uma antítese do que aconteceu no Rio de Janeiro. Uma expressão da liquidação da legenda como projeto anticapitalista. Por mais exitosa que fosse a campanha carioca, a campanha de Macapá mostrou um partido cada vez menos envergonhado de se aliar com a direita. Um partido cada vez mais parecido com o PT. O contraste entre dois projetos distintos de partido ficou mais evidente desde então. Por isso passou a ser uma questão de “vida ou morte” a disputa de sua direção em 2013, no IV Congresso Nacional do PSOL.

Uma das primeiras consequências da guinada mais à direita da corrente majoritária do PSOL, a Ação Popular Socialista, foi o seu racha em três partes. A maioria interna da última conferência desta organização manteve-se como APS Nova Era. O setor de Randolfe e Ivan Valente passou a se chamar APS Corrente Comunista e conformou o campo Unidade Socialista, com o MTL e as dissidências de Enlace e MES. O terceiro setor conformou-se num grupo denominado Coletivo Rosa Zumbi, e é o menor grupo dos três.

Tomado por disputas acirradas nos estados e, especialmente, fraudes de delegações pelo país, uma maioria artificial e burocrática foi formada pela Unidade Socialista. A derrota dos setores opositores ao grupo de Randolfe, Ivan Valente e Luiz Araújo (novo presidente) foi encarada por muitos como o início do fim da experiência psolista como um projeto anticapitalista.

A vitória foi apertada: mesmo com fraudes e distorções nas delegações dos estados, a US alcançou sua maioria com pouco mais de 51% dos votos no Congresso Nacional do partido. Sua oposição interna era bem significativa e questionou até o final das discussões congressuais a indicação de Randolfe Rodrigues como único pré-candidato do partido para as eleições presidenciais de 2014.

Após o congresso, mesmo esta forte oposição se fragilizou e grande parte dela passou a apoiar Randolfe. A resistência ao golpe congressual da US e a imposição de Randolfe como principal figura pública eleitoral de 2014 passou a ser marginal no PSOL.

A situação se agravaria quando a maioria decide perseguir a minoria “rebelde” que não havia se submetido a Randolfe. Com a maioria na direção, absurdos como a absolvição na Comissão de Ética de Janira Rocha, afastada do partido pelo PSOL-RJ por denúncias de corrupção na Assembleia Legislativa fluminense, passaram a ser a regra de condução do partido e foram ainda mais legitimados. Em Minas Gerais, a pré-candidata Maria da Consolação foi derrotada na conferência eleitoral regional. O mesmo quase ocorreu com Ailton Lopes, que venceu o pleito interno cearense e manteve sua recusa a fazer campanha para o Senador do Amapá.

O ápice do dirigismo da US foi o caso de SP. Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP, intelectual bastante reconhecido, tinha sido filiado em 2013 pelas mãos da militância de Ivan Valente, deputado federal paulista. Uma nítida discrepância no discurso de Vlad com o que pensava a maioria motivou um boicote crescente à sua indicação como pré-candidato a governador do estado, culminando em sua desistência, em detrimento de Gilberto Maringoni, que expressava de forma evidente a proximidade da maioria randolfista do partido com o PT. Mesmo Safatle aceitando e apoiando Randolfe, nem isso mais era o suficiente. A US queria expurgar o PSOL de lutas, o PSOL das ruas, o PSOL de junho enquanto tinha uma vantagem conquistada com muito custo.


O rei está nu


Com todo este histórico recente, não havia qualquer motivo para Randolfe desistir de sua candidatura. A sua maioria burocrática apertada no IV CNPSOL já se configurava uma nova hegemonia interna sólida. Mesmo depois do caso Saflate, a maioria dos setores manteve o apoio ao Senador e o compromisso formal de construção de sua campanha nacional.

A sorte de Randolfe não poderia ser maior. Após um ano de lutas nunca antes vistas no país, em certa medida, uma candidatura de esquerda, com clara oposição ao sistema político atual, demarcando contra o acordo de classes entre ruralistas, grandes empreiteiras, grandes complexos industriais e a cooptação da grande maioria das direções dos trabalhadores organizados teria um grande espaço para ser a referência de uma massa de explorados e indignados com os rumos do país.

A questão é que Randolfe, Clécio, o PSOL Amapá e a atual maioria do Diretório Nacional nunca apostaram no crescimento do partido como um instrumento de fato contra-hegemônico. Sua perspectiva foi a de ocupar o espaço deixado pelo PT já quando o mesmo desistiu de combater o capitalismo no Brasil por completo. Uma proposta de manutenção da estratégia petista “versão década de 90”, com algumas diferenças de cunho tático. É o petismo com medo de dizer seu nome, vestido de novo partido e com mais capacidade de iludir por conta disso.

Com a mudança na conjuntura em 2013, houve um crescimento da referência do PSOL que não admitia o projeto político de Randolfe e seus aliados. Exemplo disto são os inúmeros núcleos de base formados no Rio de Janeiro (capital e outros municípios), a sede pelas ruas e pela formação política de seus militantes, a defesa de uma política radical contra os partidos da direita e até mesmo a perspectiva eleitoral tratada como algo menos central do que nos anos anteriores. Este PSOL seria incapaz de fazer campanha para um Senador que nunca apareceu em atos, participava formalmente da bancada governista no Congresso, afagava a direita sempre que podia na imprensa, como se esquecia das pautas de esquerda com raras exceções.

A única saída para Randolfe seria ter um forte apelo eleitoral, visto que militância real seria bem reduzida, até mesmo pelos seus mais fortes cabos eleitorais, os militantes da US, que estariam preocupados em eleger parlamentares em seus estados,o que seria fundamental para alicerçar sua máquina de disputa interna partidária e manter sua maioria burocrática no PSOL. Com um desempenho ridículo nas pesquisas, e a impossibilidade de construir alianças com partidos de direita para ampliar seu tempo de TV, Randolfe desistiu.

Em um conto dinamarquês do século XIX intitulado “A roupa nova do rei”, um rei contrata um conselho de bandidos que se passam por estilistas, e o convencem de que os tecidos que os mesmo fabricavam eram invisíveis para pessoas sem inteligência. Era, obviamente, uma mentira para conseguir ouro do Rei sem de fato confeccionar qualquer roupa. Como resultado desta história, inseguro em reconhecer que seria uma “pessoa sem inteligência”, o rei andou nu pelas ruas da cidade, se submetendo a um ridículo incalculável.

Como no conto dinamarquês, porém sem rei ou bandidos, a cúpula da US submeteu Randolfe a andar despido de seus acordos espúrios eleitorais do Amapá pelo resto do país. Contaram a ele que seu nome, sua projeção pessoal era muito maior que o acordo com Lucas ou Capiberibe. Que sua proposta política expressava um apelo de massas, enquanto os psolistas esquerdistas só o criticavam por puro vanguardismo. A dura realidade o deixou nu frente aos jornais que publicavam suas angústias. “Não sou candidato da unidade do partido”, mas não foi isso que dissemos a ele durante todo o ano de 2013? Não foi por isso que nomes como Chico Alencar, Renato Roseno e a escolhida e nossa candidata atual Luciana Genro surgiram como propostas? Num partido dividido como o PSOL, apostar na vitória por maioria e pela força de uma máquina é não reconhecer sua fragilidade maior. De nada adianta uma coroa se está completamente despido. De nada adianta uma maioria de 51% sem a base militante para apoiar sua candidatura presidencial.”


A base é viva


A desistência de Randolfe foi uma imensa vitória para o partido militante e de lutas que o PSOL deveria ser. Foi uma vitória não planejada, principalmente porque seus protagonistas ainda não foram bem identificados: a base.

O Partido Socialismo e Liberdade foi fundado afirmando um princípio muitas vezes esquecidos por ditas organizações revolucionárias: a democracia de tipo operária. Não é uma democracia apenas realizada por operários, mas sim com referência na auto-organização das massas contra os capitalistas.

Portanto, um partido que combata o capitalismo deve reproduzir um modelo de funcionamento que dê protagonismo ao coletivo amplo, que chamamos de base, e não a um grupo restrito, a direção. A própria direção deve ser apenas passageira e o balanço das experiências socialistas no mundo colocaram para partidos mais novos, como o PSOL, a responsabilidade de impedir a formação de oligarquias internas em seus organismos, que separam a base de sua direção, o que também chamamos de burocratização.

É importante ressaltar que nossa tese aqui não é de afirmar que apenas a resistência da base do partido ao Senador do Amapá foi suficiente para que o mesmo desistisse. O elemento mais impactante de nossa breve trajetória é a mudança na conjuntura e o êxito pragmático do partido em manter-se fiel (quem o fez) ao princípio de estar ao lado de todxs xs oprimidxs. O ainda inicial levante dos operários, rodoviários, das prostitutas, dos garis, das comunidades tradicionais, das favelas somou ao PSOL radicalmente democrático e subtraiu ao projeto conciliador de Randolfe.

Por esta questão que o balanço apresentado aqui tem centralidade em afirmar a importância da construção de um partido que seja atraente aos subalternos e os organize para ampliar suas lutas. Ao mesmo tempo em que o PSOL deve ser um partido plural, dando direito a diferentes tendências, urge ainda mais a necessidade de reforçar a existência de instâncias democraticamente eleitas do partido, com mandatos absolutamente sujeitos à revogação pela base. O partido deve investir na formação de novos núcleos para o partido e fortalecimento do poder de decisão destes núcleos. Devemos também promover nosso programa partidário, muitas vezes desrespeitado por parlamentares e candidatos durante as eleições. Espaços para formulação programática constante, formação politica contínua, direcionando no cotidiano e para o conjunto dos novos militantes a necessidade de que tenhamos um claro compromisso com os subalternos.

Mesmo afirmando sua pluralidade, na medida em que consolidamos uma experiência comum de partido, o mesmo deve atuar de forma cada vez mais unificada. Isso serve para as intervenções nos movimentos sociais, como nas disputas institucionais eleitorais. Um exemplo de amadurecimento disto são as campanhas majoritárias com comitês unificados, legado da primavera carioca também. Outro exemplo é o fortalecimento da oposição unificada na UNE ao governismo e a organização de espaços comuns de todos os movimentos, como o fórum de lutas no RJ.


A base do partido está cada vez mais viva, e precisamos exaltar isso, pois é isso que fortalece e consolida nossa vitória ainda ocasional. A melhor forma de fazê-lo é aliar teoria e prática, discurso e ação, o que se fala e o que se faz. Essa é a saída consistente para a crise duradoura do partido, a direção que fará do mesmo, de fato, um instrumento da maioria do povo contra o poder das elites. Viva o PSOL! Viva a base do PSOL!

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