sexta-feira, 10 de abril de 2015


Resultado da votação reforça caráter cada vez mais conservador do Congresso Nacional. Líder do PSOL critica ausência de trabalhadores durante votação


Por: PSOL Nacional, Leonor Costa




Os trabalhadores brasileiros sofreram, na noite desta quarta-feira (08), um forte ataque contra os seus direitos e em favor da precarização das condições de trabalho. Isso porque foi aprovado na Câmara dos Deputados, por 324 votos a favor, 137 contra e duas abstenções, o PL 4330/04, que regulamenta a terceirização no setor privado e também facilita a prática no serviço público, que segue ampliando seu processo de terceirização e precarização dos serviços.

 A votação, que durou dois dias - considerando que a apreciação do projeto teve início na sessão de terça-feira - reafirma o caráter conservador do Congresso Nacional e o empenho do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de, a qualquer custo, implementar retrocessos contra os trabalhadores. E na própria terça-feira ela já havia dado o seu recado: “Se não for hoje, o PL será votado de qualquer jeito. (...) Nem que fique a semana inteira sem votar mais nada”.

 Na própria terça-feira, o mesmo presidente da Câmara ordenou que a polícia legislativa impedisse o acesso, nas dependências da Casa, dos trabalhadores e das lideranças sindicais que foram pressionar os deputados pela rejeição do PL 4330/04. A truculência da polícia deixou manifestantes feridos e detidos, e bombas de gás e spray de pimenta foram utilizados para dispersar os trabalhadores. Uma determinação, portanto, característica de alguém que não tolera a livre manifestação e que pretende lançar mão de todos os mecanismos possíveis para criminalizar os movimentos sociais.

 Além do PSOL, também orientaram voto contrário ao PL o PT e o PCdoB. PROS e o Bloco PRB-PTN-PMN-PRP-PSDC-PRTB-PTC-PSL-PTdoB liberaram as bancadas. Já os demais partidos votaram a favor da proposta. Com o resultado dessa votação, o país está perto de ter definitivamente legalizada uma antiga modalidade de precarização das relações de trabalho. O embate agora será no Senado.

 O PL “dispõe sobre o contrato de prestação de serviço a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes”. Afirma, ainda, que a empresa prestadora de serviços contrata e remunera o trabalho realizado por seus empregados, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços. Na prática, a proposta permite a quarteirização (quando uma empresa contratada para prestar um determinado serviço terceiriza a força de trabalho  sem vínculo com a mesma) e o aumento da precarização das relações de trabalho.

 Um acordo de procedimentos entre os partidos deixou a votação dos destaques para a próxima terça-feira (14), quando pontos polêmicos deverão ser decididos em votações separadas. O substitutivo apresentado pelo deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), que relatou a matéria em Plenário em nome das comissões, manteve, por exemplo, a possibilidade de a terceirização ocorrer em relação a qualquer das atividades da empresa. Embora não fale textualmente em atividade-fim ou atividade-meio, a proposta permite a terceirização de todos os setores de uma empresa.



 Intervenção do ministro da Fazenda

A pedido do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o relator do projeto incluiu no texto a obrigação de a empresa contratante fazer o recolhimento antecipado de parte dos tributos devidos pela contratada. Com isso, deverão ser recolhidos 1,5% de Imposto de Renda na fonte ou alíquota menor prevista na legislação tributária; 1% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); 0,65% do PIS/Pasep; e 3% da Cofins.

 A intervenção do representante do governo, no entanto, não foi com o intuito de impedir a aprovação do PL ou de garantir segurança ao trabalhador. As mudanças negociadas estão relacionadas basicamente a assegurar a arrecadação de tributos e encargos trabalhistas. Retiradas na última hora do texto, as alterações propostas por Levy devem ser apreciadas na sessão da próxima terça-feira (14), juntamente com os demais destaques apresentados.

 Números da terceirização

Estudo coordenado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o total de trabalhadores terceirizados em 2013 no Brasil correspondia a 26,8% do mercado formal de trabalho, somando 12,7 milhões de assalariados.

 Os estados com maior proporção de terceirizados, segundo o estudo, são São Paulo (30,5%), Ceará (29,7%), Rio de Janeiro (29,0%), Santa Catarina (28%) e Espírito Santo (27,1%), superior à média nacional de 26,8%.

 Ainda de acordo com o estudo, o trabalhador terceirizado tem maior rotatividade no mercado. Eles permanecem 2,6 anos a menos no emprego do que o trabalhador contratado diretamente e têm uma jornada de 3 horas semanais a mais. Além disso, recebem em média salários 24,7% menores, e a cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalhadores terceirizados, devido à falta de treinamento e investimentos em qualificação.



 Posição do PSOL

Durante os últimos dias, a bancada do PSOL na Câmara, juntamente com sua militância que atua em várias categorias de trabalhadores, fizeram todo o esforço possível para impedir que o PL 4330/04 fosse aprovado.

 O deputado Ivan Valente considerou que 25% do mercado de trabalho já é ocupado por serviços terceirizados e a aprovação do PL fará com que 75% do mercado se torne terceirizado. “Eu quero listar a consequência da precarização do trabalho através da terceirização: maior desemprego, violação de direitos imateriais, segregação, trabalho precário e degradante e trabalho análogo ao trabalho escravo. Contrário ao que diz a Constituição de 1988, que é exatamente a valorização do trabalhador e do trabalho como princípio fundante da própria República; livre iniciativa, respeitado o primado do trabalho; respeito à dignidade do trabalhador”, disse Valente.

 Ele lembrou, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ocorreu em 1943 para proteger o trabalhador e que a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, já trata da terceirização do trabalho. “O trabalhador pode hoje ser seduzido pela ideia de que isso aumenta as vagas no mercado de trabalho. Essa é uma grande mentira, inclusive na crise que nós estamos vivendo e que vai se prolongar por algum tempo”, ressaltou.

 De acordo com o deputado Edmilson Rodrigues, a aprovação do projeto precarizará não só o trabalho dos atuais 12 milhões de brasileiros submetidos a esse sistema, mas dos cerca de 90 milhões que compõem a força de trabalho brasileira. “Trata-se da oficialização, em pleno século XXI, do território brasileiro como uma verdadeira senzala. É a síndrome do escravocrata que aqui está sendo manifestada. Gilberto Freyre, ao escrever Casa Grande e Senzala, nos chamava a atenção para esta marca perversa da formação socioespacial brasileira. E ela se reproduz nos discursos que fazem a falsa defesa dos direitos dos caminhoneiros, que agora podem trabalhar até 12 horas por dia; ou no discurso que faz a defesa dos trabalhadores terceirizados, a rigor, na prática, por meio das várias experiências pelo mundo. Mas, na experiência brasileira, todas as instituições sérias deste País já provam a precarização desse modelo. Não podemos universalizá-lo”, alertou o deputado.

 Ausência do trabalhador

O líder do PSOL, deputado Chico Alencar, criticou fortemente a ausência de trabalhadores nas galerias da Câmara durante a votação – uma ausência imposta pelo presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha. “Impedir as pessoas de acompanhar a sessão aqui nas galerias é autoritarismo. Esta Casa fechada é uma vergonha, é um escárnio, é uma indecência!”.

 De acordo com o deputado, o Brasil, umas das 35 maiores economias do mundo, é a sétima que mais mal remunera o fator trabalho. Pesquisadores da Unicamp, Universidade de Brasília e Universidade Federal da Bahia apontam que, em até 10 anos, 75% do mercado será formado por terceirizados e, consequentemente, o rebaixamento do fator trabalho.


 “É evidente que o grosso do empresariado, não o pequeno e o microempresário, que não terceiriza, mas o grosso do empresariado nacional quer essa terceirização, apoia este projeto, como, aliás, de resto, apoiou muitas campanhas eleitorais aqui — olha o financiamento empresarial de campanha interferindo no processo legislativo. Quer, por quê? Primeiro, vai contratar vulneráveis. Segundo, vai remunerar menos o fator trabalho, consequentemente, remunerar mais o capital e o lucro. Terceiro, a rotatividade, que hoje já é 44,5% entre os terceirizados e 22% entre os que têm contrato fixo de trabalho, vai, evidentemente, aumentar”, explicou Chico Alencar.

Comentários